WWII Artigo 2

Como a bondade de um estranho durante a Segunda Guerra Mundial nos deu a teoria do Big Bang

 

O físico alemão Arno Penzias escapou do Holocausto com a ajuda de um benfeitor que nunca conheceu. Este ato secreto de generosidade mudou a sua vida... e a nossa compreensão do universo.

 

POR KATIE SANDERS
FOTOGRAFIAS DE RICHARD BARNES

 
 

O físico, radioastrónomo e vencedor do Prémio Nobel Arno Penzias (aqui fotografado nos Bell Labs em 1985) co-descobriu a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, os ecos do Big Bang que ajudaram a estabelecer a teoria mais bem fundamentada da origem do nosso universo.
FOTOGRAFIA DE ARNOLD NEWMAN, VIA GETTY IMAGES

 
 

Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, o dono de uma loja de tintas em Belleville, Nova Jérsia, sobressaltou-se com batidas frenéticas na sua porta. Era um imigrante alemão de 28 anos chamado Leo Gelbart, que ia de porta em porta fazendo um apelo aos membros da comunidade judaica da cidade.

"Esta família precisa de sair da Alemanha e não tenho dinheiro suficiente para ajudar. Consegue?" Perguntou Gelbart. Mostrou ao dono da loja uma fotografia em preto e branco dos seus amigos em Munique: um bem-parecido casal de nome Karl e Justine Penzias, com os filhos Arno e Guenther, de seis e quatro anos. Com o regime Nazi do chanceler alemão Adolf Hitler a cercar cada vez mais os judeus, a família Penzias teve de fugir para escapar a um campo de concentração. Mas imigrar para a América exigia várias declarações de apoio, documentos oficiais que confirmassem que tinham um parente e uma rede de segurança financeira nos Estados Unidos da América. Gelbart seria o primeiro, afirmando falsamente que o amigo Karl Penzias era seu primo. No entanto, o seu trabalho como empregado de mesa não lhe garantia dinheiro suficiente para se qualificar como padrinho desta família. Procurava alguém que assinasse a segunda declaração, assumindo a família Penzias como seus dependentes em caso de necessidade.

O comerciante de tintas de 52 anos disse que sim, que ajudaria. "Ficarei feliz em apoiá-los até que se tornem autossuficientes", escreveu na declaração. Na Alemanha, um Karl Penzias profundamente agradecido deu a este gentil desconhecido a sua palavra de honra, através do seu amigo Gelbart, de que a sua família só precisava de apoio burocrático e que mostraria toda a sua gratidão nunca entrando em contacto com ele.

O mais velho dos dois rapazes na fotografia, Arno Penzias, tem agora 89 anos. Um radioastrónomo reformado e laureado com o Prémio Nobel, vive agora no norte da Califórnia. Nasceu em Munique em 1933, quando Hitler subiu ao poder. Em 1938, a sua família foi reunida com outros judeus com passaportes polacos, forçados a embarcar num comboio para a Polónia para serem deportados. Mas o comboio atrasou-se e a Polónia invalidou os seus passaportes pouco antes de o comboio chegar à fronteira.

Em 1939, enquanto tratavam dos preparativos para deixar a Alemanha rumo aos EUA, os pais de Arno enviaram os seus filhos para a Inglaterra como parte do Kindertransport, uma campanha de resgate britânica que transportou 10 mil crianças, na sua maioria judias, para fora do território nazi. Os irmãos foram saltando de espaço em espaço, passando de um orfanato só para meninas em Londres para diferentes famílias de acolhimento inglesas. À medida que os Nazis punham em marcha a campanha assassina de Hitler, que daria origem à palavra "genocídio", Karl e Justine Penzias, equipados com a papelada necessária, reuniram-se finalmente com os filhos em Inglaterra e partiram para os EUA de barco. A família evitou os furacões e os submarinos alemães durante a sua travessia do Atlântico. A 3 de janeiro de 1940, quando o navio atracou na cidade de Nova Iorque, os jornalistas presentes tiraram fotografias a Arno e Guenther, jovens refugiados de olhos arregalados que acenavam para a Estátua da Liberdade.

A família Penzias estabeleceu-se no Bronx, onde os rapazes começaram a escola e aprenderam inglês. Arno formou-se na Brooklyn Technical High School e no City College. Serviu no Corpo de Sinalização do Exército dos EUA e, em seguida, obteve um doutoramento em física na Universidade de Columbia. Juntou-se aos Bell Labs, onde, na década de 1960, co-descobriu com Robert Wilson, o seu colega de investigação, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, confirmando assim a teoria da cosmologia do Big Bang. Ambos receberam o Prémio Nobel da Física de 1978 por esta descoberta. Numa carta que escreveu em resposta a um telegrama de felicitações do então presidente Jimmy Carter, Penzias expressou a sua gratidão pela oportunidade de viver nos Estados Unidos:

"Vim para os Estados Unidos há trinta e nove anos como um refugiado da Alemanha Nazi sem um tostão no bolso. Para mim e para a minha família, a América significou um refúgio de segurança, bem como uma terra de liberdade e oportunidade. Numa altura em que a promessa e o significado das instituições americanas são frequentemente questionados, sinto-me compelido a testemunhar o cumprimento do sonho americano na minha experiência pessoal de vidaTenho muito orgulho de ser americano, estou muito agradecido à América e ao povo americano. Assim, na sua qualidade de representante do povo americano, aproveitei esta ocasião para expressar uma pequena parte dos meus agradecimentos a eles através de si."

Mas agradecer ao homem cuja assinatura lhe abriu as porta da América não era possível. O pai de Arno tinha prometido nunca entrar em contacto com o signatário da declaração de responsabilidade e manteve a sua palavra. As informações sobre o seu bem-feitor permaneceram um mistério.

Quase oito décadas depois de assinar a declaração de apoio, a família de Barnet aceitou o pedido de David Penzias para se reunirem. Embora Arno não tenha podido participar devido à sua frágil condição, o irmão e o sobrinho viajaram para Nova Jérsia para comer um brunch na casa do neto de Barnet. Sobre uma mesa com uma farta variedade de bagels, salsichas e peixe branco, as duas famílias partilharam documentos e memórias. David distribuiu cópias de uma fotografia recente do seu pai e tio, com os respetivos descendentes diretos. Enquanto a família Yudin observava os patriarcas de cabelos grisalhos cercados pelos cinco filhos adultos e dez netos, David disse: "Nenhuma dessas pessoas existiria se não fosse o Barnet Yudin." Impressionados pela grandeza que a boa ação silenciosa de Barnet permitira, forjaram uma nova e sólida amizade.

Barnet Yudin nunca chegou a saber que o menino de seis anos que ajudou a trazer para os EUA seria um dos cientistas mais influentes do século XX. Joe Yudin pensa que o seu bisavô não teria dado importância a essa parte: "Ele sabia que eles conseguiram sair. Penso que era tudo o que ele precisava. Ele não disse: ‘Este rapaz vai ganhar o Nobel algum dia, ou jogar pelos Yankees?’ Ele fez o que fez porque era o correto e nunca disso isso a ninguém. Ele tinha uma visão geral muito clara de como a humanidade deveria ser."